terça-feira, 10 de setembro de 2013

Poligamia? Tá na Moda? Vai Seguir se tiver?/

Poliamor: na prática é mais difícil

Diferentemente da ficção, na vida real os novos arranjos amorosos e as uniões poliafetivas não são encarados com tranquilidade – nem por quem pratica, nem pelos vizinhos

Ricardo Donisete - iG São Paulo                             
Recém-encerrada, a novela “Avenida Brasil” (TV Globo) terminou com certa ousadia. No último capítulo da trama, Cadinho ( Alexandre Borges ) se casou com três mulheres em um ritual simbólico, sem valor legal. Em outro núcleo, Suelen ( Isis Valverde ) e seus dois maridos – Roni ( Daniel Rocha ) e Leandro ( Thiago Martins ) – foram felizes para sempre. Porém, diferente desta e de outras tramas, na vida real o poliamor ainda é novidade. Nem sempre os vizinhos e familiares recebem os novos modelos de união com tanta naturalidade e entusiasmo.

No último mês de agosto, causou polêmica o casamento de um homem com duas mulheres. Eles registraram uma ‘escritura pública declaratória de união estável poliafetiva’ em um cartório de notas da cidade de Tupã, interior de São Paulo. Procurados pela reportagem do iG por meio de um amigo, o trisal – como ficou conhecido – não quis falar nem aparecer. A justificativa diz respeito ao medo da reação popular e ao possível preconceito que a exposição causaria.

Mirian Goldenberg , antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lembra que na ficção a aceitação é mais fácil. “As pessoas não levaram aquilo a sério. É diferente de quando isso aparece na vida real, vira polêmica e provoca discussão. Na novela, tudo era um grande pastelão, uma caricatura”, opina.

Líder de uma comunidade de defensores das relações poliafetivas de São Paulo, o jurista Batista Junior, 38 anos, pontua uma diferença fundamental entre as histórias fictícia e real. “O Cadinho era bígamo. No começo da novela, uma mulher não sabia da outra. Na vida real falamos de uma troca onde tudo é feito de maneira consensual, ninguém esconde nada”.

Na sociedade, o termo ‘poliamor’ ainda confunde. Compreende casamentos abertos e relações conjugais que envolvem mais de duas pessoas. Contudo, as duas dinâmicas são muito diferentes. Um casal de três pode ser fiel e não variar os parceiros. Já no segundo caso, os pares do casamento aberto são livres para experimentações diversas. E, ainda assim, isso não é uma norma. As regras mudam em qualquer um dos casos porque as pessoas são diversas.

Contrato de sociedade
Na opinião de Nelson Sussumu Shikicima, presidente da Comissão de Direito de Família da OAB de São Paulo, o documento de Tupã não pode ser considerado oficialmente um casamento. “O que eles fizeram foi um contrato, reconhecendo uma sociedade de fato. Comparando, é como se dois sócios de um negócio não formalizado registrassem em um papel a sua situação”, analisa o advogado.

Nelson diz que, por outro lado, o trio não pode ser acusado de bigamia. “Isso só acontece quando uma pessoa já casada se casa com outra sem ter se divorciado”, esclarece o advogado. Ele explica ainda que um documento como o deles pode ser útil no caso de uma eventual separação ou morte de algum dos parceiros. “É uma maneira de demonstrar que eles dividiam as contas de uma casa juntos. Ou que adquiriram algum bem conjuntamente. Pode servir de prova em alguma disputa judicial futura”, completa.

Mesmo assim, esse documento não daria direito a uma pessoa colocar seus dois parceiros como dependentes num plano de saúde, por exemplo. “Um empregador não tem obrigação de reconhecer essa união, já que a legislação brasileira não menciona as uniões poliafetivas. Nesse caso, eles teriam que ingressar na justiça para tentar obter o direito”, afirma Nelson.

HÁ chance de dar certo ?
As barreiras legais não são as únicas que um relacionamento poliafetivo tem que enfrentar. “Uma união assim não é enxergada como legítima pela sociedade brasileira. Curiosamente, as pessoas aceitam muito mais que um homem tenha três amantes do que três esposas”, compara Mirian.

“Na nossa cultura, ainda muito influenciada pela religião, a relação monogâmica ainda é encarada como única opção”, acrescenta o psiquiatra e psicoterapeuta Eduardo Ferreira-Santos , autor do livro “Casamento – Uma missão (quase) impossível”, (Editora Claridade).

Mirian acredita que as relações em trio não são fáceis. “É muito difícil que três pessoas consigam dividir uma rotina”, diz. Além disso, ela lembra que ainda são poucos os que topam esse arranjo conjugal. Por outro lado, diferente do que se possa imaginar, Eduardo diz que o ciúme não é o maior empecilho para uma união assim. “Independente do número de parceiros, esse é um sentimento que aparece em relações em que o desejo de posse pelo outro é muito forte, promovendo um desiquilíbrio”, avalia o psiquiatra.

Independentemente das chances de sucesso de um poliamor, Batista Junior revela que o trio de Tupã não será o único a registrar sua união em documento. Ele conta que outras três pessoas, dois homens e uma mulher, vão repetir o ato até o fim do ano. Mas eles também não querem falar. O receio do segundo casal ratifica o título dessa reportagem: o poliamor, na prática, é bem mais difícil.

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